Os soldados derrubaram facilmente a porta do templo. Abriram espaço para o magistrado Arcádio entrar na frente. O homem, baixo e calvo, parecia apreensivo ao entrar naquele recinto que também para ele já tinha sido sagrado. Avançou a passos hesitantes e parou em frente da pira sagrada, ladeado por Cornélio, o chefe da guarda.
Defronte a pira do fogo sagrado cinco virgens vestais bloqueavam a passagem, usando as suas tradicionais vestes brancas e seu penteado de seis tranças. Assim que viram os guardas entrarem no recinto sagrado elas cobriram suas cabeças com o tradicional véu, como faziam nas cerimônias.
Arcádio estava disposto a acabar com aquilo rapidamente. Pigarreou, deu um passo a frente e começou:
-Por ordem de Flávio Teodósio, pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, imperador de todos os romanos, estamos encerrando os serviços do templo dessa deusa pagã. As senhoras estão dispensadas e deverão deixar…
Arcádio ainda falava quando uma das virgens vestais avançou em sua direção com um punhal tirado das vestes na mão. Ele recuou instintivamente. Cornélio se adiantou e bloqueou a trajetória da atacante com seu escudo, ao mesmo tempo em que dava uma estocada com a sua lança curta. Ela caiu, mortalmente ferida.
Só então Cornélio pode ver quem fizera aquele ataque insensato. Era Fábia, de uma família ligada a sua por muitas gerações. Ele mesmo tinha estado naquele templo, vinte anos atrás, para a consagração dela. Foi um dia de festa. Afastou as lembranças com um sacudir de cabeça.
-Senhoras ! – gritou Cornélio. Não é necessário mais derramamento de sangue. Saiam em ordem e pacificamente e nada acontecerá com vocês !
-Jamais ! – respondeu a mais velha da virgens vestais, que Cornélio reconheceu como Licínia, filha de uma família que já havia dado muitos senadores e governadores para o império. Morreremos defendendo a chama sagrada de Vesta, sem a qual Roma não pode existir.
-Prendam todas. Matem as que resistirem – ordenou Arcádio, e havia firmeza na sua voz.
Cornélio e seus homens avançaram. Em poucos minutos estava tudo acabado. O chão de mármore estava coberto do sangue das cinco virgens vestais. E foi aí que Cornélio se lembrou que o número delas deveria ser seis.
Pulqueria estava com o coração apertado. Queria estar na frente do templo ajudando a defendê-lo, mas sua líder Licínia havia lhe dado outra missão.
Desfez o penteado das seis tranças rapidamente. Trocou sua túnica por uma comum e saiu em lágrimas por uma porta lateral, carregando uma bolsa.
Aquele templo havia sido a sua casa pelos últimos dez anos. Ela havia terminado o noviciado e agora poderia fazer parte dos rituais. O que seria dela agora ?
As ruas estavam lotadas de gente naquela hora da manhã e ela avançava lentamente. Enquanto passava pelas pessoas apressadas, Pulqueria pensava no que fazer. Com certeza não podia voltar para casa. Seus pais tinham se tornado devotos cristãos e a entregariam. Tinha algumas moedas no bolso. Daria para pagar por um quarto em alguma pensão na parte baixa da cidade por alguns dias.
Pulqueria estava quase chegando no Tibre quando teve a sensação de estar sendo seguida. Olhou várias vezes para trás e não conseguiu ver nada. Estava agora a poucos passos da ponte que a levaria para a parte baixa da cidade. Era só entrar na primeira pensão que encontrasse e estaria segura.
Foi puxada repentinamente para um pequeno corredor por uma mão forte. Não teve tempo de gritar pois sua boca foi tampada.
-Não precisa ficar assustada. Estou aqui para te ajudar. Seu nome é Pulqueria, certo ?
Ela negou com a cabeça, aterrorizada.
-Não precisa mentir para mim. Você foi vista saindo do templo de Vesta. O magistrado Arcádio ordenou que todos os soldados da cidade a procurem.
Ela continuou negando com a cabeça.
-Escute. Todas as suas companheiras estão mortas. Esse sera o seu destino também se você não me deixar ajudar.
Os olhos de Pulqueria se encheram de lágrimas. O misterioso homem soltou a mão da boca dela.
-Precisamos ser rápidos. Qual é o seu plano ?
Ela engoliu as lágrimas.
-Eu ia ficar numa pensão do outro lado da cidade e…
-Não, muito arriscado – interrompeu o homem. Vá até o portão oeste. Pegue essas moedas, compre uma mula e vá pela estrada rumo a Ravena. Está sem vigilância hoje. Ao chegar lá procure Probo, o boticário, e entregue esse anel a ele. Você será bem recebida.
Pulqueria ficou uns segundos olhando as moedas e o anel em sua mão.
-Porque me ajudas, nobre senhor ? – perguntou ela.
-Por que eu não concordo com o que aconteceu hoje – disse ele, simplesmente.
-E eu posso saber seu nome, gentil senhor ?
-Eu me chamo Cornélio. Agora vá, não se demore mais!
Pulqueria e Cornélio tiveram que se mudar várias vezes. Estiveram em Mediolano, na Helvécia e na Gália Cisalpina.
Foi lá que ela morreu, durante um parto mal sucedido. Depois da sua partida Cornélio pode ver o que ela trazia na misteriosa bolsa que carregava desde que fugira de Roma com a sua ajuda. Eram todos os registros do templo de Vesta, desde a sua fundação.
Cornélio enterrou os papéis junto com a sua amada, sob uma lápide que ele mesmo escreveu:
Aqui jaz Pulqueria, a última das vestais.